Linhas de Cuidado

Internação eletiva - Planejamento terapêutico

A internação hospitalar para desintoxicação assistida é recomendada a pacientes com Síndrome de abstinência de álcool grave ou com alto risco de desenvolver convulsões ou delirium tremens.

A desintoxicação não complicada dura cerca de 7 à 10 dias, mas o paciente pode se beneficiar de uma internação mais prolongada caso a instituição ofereça algum programa terapêutico estruturado.

O cuidado deve ser prestado por equipe multidisciplinar e estar articulado com o Projeto Terapêutico Singular desenvolvido pelo serviço de referência do paciente.

Abstinência de álcool/Desintoxicação

Abstinência de álcool

A síndrome de abstinência de álcool (SAA) é definida por um conjunto de sintomas apresentados pelos pacientes que fazem uso pesado e prolongado de álcool, iniciados após horas ou dias da redução ou interrupção do uso. A maioria dos pacientes apresenta sintomas leves a moderados, porém alguns pacientes podem apresentar sintomas mais graves.

Para pacientes apresentando um quadro agudo grave de SAA, consulte o manejo da Síndrome de abstinência de álcool - situações agudas.

Critérios Diagnósticos de abstinência de álcool de acordo com o DSM-5

  • Cessação (ou redução) do uso pesado e prolongado de álcool
  • Dois (ou mais) dos seguintes sintomas, desenvolvidos no período de algumas horas a alguns dias após a cessação (ou redução) do uso de álcool:
    • Hiperatividade autonômica (p. ex., sudorese ou frequência cardíaca maior que 100 bpm)
    • Tremor aumentado nas mãos
    • Insônia
    • Náusea ou vômitos
    • Alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas transitórias
    • Agitação psicomotora
    • Ansiedade
    • Convulsões tônico-clônicas generalizadas
  • Os sinais ou sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo
  • Os sinais ou sintomas não são atribuíveis a outra condição médica nem são mais bem explicados por outro transtorno mental, incluindo intoxicação por abstinência de outra substância

A intensidade dos sintomas geralmente é maior durante o 2º dia de abstinência, e tendem a melhorar muito no 4º ou 5º dia.

Após abstinência aguda, alguns sintomas (ex. ansiedade, insônia, tremor, sudorese) podem permanecer por 3 a 6 meses em menor intensidade.

A abstinência é relativamente rara em pessoas < 30 anos de idade, e quanto maior a idade, maior os riscos de complicações da SAA. Pacientes acima de 60 anos têm maior risco de delirium e quedas. 

Mesmo sendo a abstinência o objetivo final, deve-se ter cuidado ao orientar o paciente a parar de beber sem avaliar o risco de ter uma síndrome de abstinência grave. Uma redução repentina na ingestão de álcool pode resultar em síndrome de abstinência grave em pacientes dependentes. 

Perguntar:

  • Houve algum episódio de sintomas graves de abstinência no passado, inclusive crises convulsivas ou delirium?
  • Existem outros problemas clínicos ou psiquiátricos significativos?
  • Apresentou características significativas de abstinência dentro de 6 horas após a última ingestão de bebida alcoólica?
  • As tentativas de cessação/desintoxicação ambulatorial falharam no passado?
  • O paciente é morador de rua ou não tem apoio social?

Fonte: Adaptado MI-mhGAP Manual de Intervenções para transtornos mentais, neurológicos e por uso de álcool e outras drogas na rede de atenção básica à saúde. Versão 2.0. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2018.

Atenção: Em pacientes com disfunção grave de sistema familiar e social a desintoxicação assistida no Centro de Atenção Psicossocial álcool e drogas (CAPS-AD) ou Unidade Hospitalar também deve ser considerada.

Prevenção e controle da encefalopatia de Wernicke

Todo paciente com transtorno por uso de álcool moderado a grave está em risco de vir a desenvolver encefalopatia de Wernicke, uma síndrome causada pela deficiência de Tiamina e que é caracterizada por confusão mental, nistagmo, oftalmoplegia e ataxia. 

Para prevenir esta síndrome, os pacientes que irão realizar a desintoxicação devem receber Tiamina. Consulte o Programa de desintoxicação ambulatorial.

Se o paciente apresentar qualquer um dos sintomas acima descritos, ele deve receber o tratamento da encefalopatia de Wernicke com reposição de Tiamina parenteral em doses mais altas. Nessas situações, os pacientes devem realizar a desintoxicação na Unidade Hospitalar.

Objetivos do tratamento da SAA: 

  • Alívio dos sintomas existentes
  • Prevenção de complicações da SAA, como convulsões, Delirium Tremens e encefalopatia de Wernicke
  • Prevenção de complicações de doenças pré-existentes
  • Vinculação e engajamento do paciente no tratamento do transtorno por uso de álcool

Abstinência de álcool/Desintoxicação

Desintoxicação

A manutenção do tratamento é geralmente mais efetiva do que a desintoxicação isolada.

Todos os pacientes diagnosticados com transtorno por uso de álcool moderado à grave (ou AUDIT > 7) podem vir a apresentar sintomas de abstinência no momento em que reduzirem ou cessarem o uso da substância. Estabeleça um plano terapêutico com o objetivo de proporcionar uma desintoxicação segura e efetiva.

Princípios do tratamento da SAA/desintoxicação em ambiente hospitalar

*Tiamina EV não consta na RENAME. De acordo com as pactuações regionais, sugere-se prescrever conforme: Se responder sim para qualquer uma das perguntas: Prescrever Tiamina 500 mg EV 3 vezes/dia por 3 dias, depois passar para 250 mg EV 1 vez/dia por mais 3 dias e depois passar para 300 mg VO 1vez/dia; Se responder não para todas perguntas: Prescrever Tiamina 250 mg EV 1 vez/dia por 3 dias, depois passar para 300 mg VO.
Fonte: The evolution and treatment of Korsakoff's syndrome: out of sight, out of mind?. Basingstoke: Neuropsychol Rev, 2012.

Atenção: Inicie as medicações apenas se não bebeu nas últimas 8 horas. 

Avaliação dos Estágios de Mudança

Realize uma intervenção motivacional em todas as pessoas que têm um consumo de risco ou apresentam transtorno por uso de álcool como parte da abordagem inicial. A intervenção deve conter elementos-chave da entrevista motivacional, como:

  • Mantenha uma postura empática e isenta de julgamentos. Uma sugestão é iniciar perguntando sobre os hábitos alimentares e nesse contexto perguntar sobre como o consumo de álcool, bebidas de preferência, padrão de consumo
  • Conversar sobre prejuízo/benefícios percebidos a partir do uso, ajude o paciente a aumentar a percepção de risco sobre o comportamento
  • Apresente um feedback claro sobre o que o paciente relatou e sobre a sua avaliação. Ex: “fiquei preocupado, pois a maneira como você relatou fazer uso de álcool pode lhe trazer riscos importantes”
  • Aconselhamento sobre os próximos passos. Peça permissão para sugerir uma mudança de hábito, ou encaminhamento para tratamento. Pergunte para o paciente o que ele pensa sobre esses conselhos
  • Permita que o paciente decida sobre parar/reduzir o consumo
  • Defina com ele objetivos específicos a partir dessa avaliação (ex: agendar com especialista, reduzir consumo etc) e marque um retorno para avaliar se esse objetivo foi alcançado
    • Encoraje mudanças positivas e a crença na capacidade de mudar
    • Avalie se há fatores estressores
    • Encoraje o retorno à unidade de saúde para ajuda se não estiver pronto para parar/reduzir 
    • Adote uma posição de apoio/persuasiva ao invés de uma posição de confronto/argumentativa

Busca a aprendizagem de um novo comportamento, por meio da promoção de mudanças nas crenças e desconstrução de vinculações comportamentais ao ato de consumir bebidas alcoólicas. Para pacientes que já se engajaram no processo de mudança com vias à abstinência, podemos utilizar a Técnica de Prevenção de Recaídas.

Principais pilares:

Algumas estratégias que podem facilitar esse processo:

  • Identificar e evitar situações ou emoções que possam desencadear fissura 
  • Fazer uma lista de estratégias que sejam viáveis ao paciente e que podem ser utilizadas para evitar recaída em um momento de fissura (Ex: ligar para um familiar ou amigo, meditação, técnicas de relaxamento muscular ou respiração diafragmática, mudar o foco indo tomar um banho ou comendo alguma coisa, etc)
  • Aumentar a vigilância sobre comportamentos que possam favorecer uma recaída (ex: mudar algum trajeto usual, comparecer a eventos que ofereçam bebidas alcoólicas)
  • Ter um cartão de enfrentamento: Carregar na carteira um cartão que contenha os elementos que reforçam a manutenção da abstinência (ex: foto de filhos, emprego, etc) e que possa ser acessível em momentos de maior fissura

Tente promover mudanças emocionais e comportamentais duradouras, a partir de modificações nas atitudes e no sistema de crenças do paciente.

Fonte: Adaptado de Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

Metas terapêuticas e Plano de alta

Metas terapêuticas da desintoxicação

A meta da desintoxicação hospitalar é auxiliar o paciente a interromper o uso de álcool de maneira segura e eficaz, com controle sobre os sintomas de abstinência.

Ao final do processo de abstinência esperamos que:

  • O paciente tenha passado pela desintoxicação sem exacerbação dos sintomas de abstinência ou desenvolvimento de alguma das complicações da SAA
  • No momento da alta, o paciente não apresente mais nenhum dos sintomas de abstinência alcoólica aguda
  • Caso tenha tido alguma complicação (ex: delirium tremens, encefalopatia de Wernicke, convulsões) essas condições estejam todas absolutamente resolvidas
  • O paciente que tenha sido avaliado quanto à presença de comorbidades clínicas ou psiquiátricas, tenha sido devidamente encaminhado para tratamento destas condições
  • Tanto o paciente quanto seus familiares tenham passado pelo processo de psicoeducação sobre o diagnóstico do transtorno por uso de álcool e opções de tratamento
  • O paciente preferencialmente tenha aumentado a sua crítica quanto aos riscos do uso de álcool e esteja preparado para a agir em favor da manutenção da abstinência

Metas terapêuticas e Plano de alta

Plano de Alta

A nota de alta deve conter um resumo detalhado do quadro clínico e da estratégia terapêutica adotada durante o atendimento.

  • Diagnóstico e informação médica relevante
  • Disponibilizar os resultados dos exames realizados
  • Receita médica completa
  • Conforme condição clínica associada, considerar encaminhamento para médico especialista
  • Indicação de quais tratamentos de equipe multidisciplinar o paciente irá necessitar
  • Ênfase nas medidas de autocuidado - adesão ao tratamento medicamentoso e abstinência ao álcool
  • Avalie conforme disponibilidade (do serviço e do paciente) o melhor local para acompanhamento após a alta hospitalar (Atenção psicossocial especializada-CAPS AD/ Unidade na Atenção Primária à Saúde)
    • Se o paciente foi encaminhado pelo CAPS, deve ser providenciada sua vinculação e referência a um CAPS, que assumirá o caso
    • Retorno preferencialmente dentro de dois dias após a alta
  • Oriente o paciente/familiares em relação aos riscos de uma recaída e a como agir caso recaia no uso de álcool
  • Se disponível na região oriente o paciente/cuidador a procurar grupos de suporte (ex. Alcoólicos anônimos) ou comunidades terapêuticas para auxílio na reinserção social. Consulte comunidades terapêuticas - Orientações complementares
  • Se, internação de longa permanência, avalie a articulação com os Serviços Residenciais Terapêuticos e Programa de Volta para Casa como estratégias de desinstitucionalização