Avaliação e conduta - Situações agudas
Intoxicação Aguda
Aspectos gerais
Pacientes com risco agudo de suicídio; risco agudo de auto ou heteroagressão (quando não existir suporte sociofamiliar capaz de conter o risco); risco agudo de exposição moral (quando não existir suporte sociofamiliar capaz de conter o risco); sintomas psicóticos agudizados ou síndrome de abstinência a substâncias psicoativas avaliada pelo clínico como moderada a grave devem ser encaminhados para Serviço de emergência.
Condição clínica transitória, com alterações comportamentais ou psicológicas desde a embriaguez, levando depressão respiratória e até ao coma, e mais raramente, a morte.
O álcool é uma substância depressora do sistema nervoso central, e a medida que as doses são consumidas, os efeitos depressores começam a surgir e vão se agravando conforme a concentração de álcool no sangue (CAS) vai aumentando. O número de doses necessário para cada indivíduo atingir uma determinada alcoolemia varia bastante, pois irá depender da sua tolerância, da velocidade de ingestão e de absorção (muito mais rápida se estômago vazio) e do tipo de bebida utilizada (bebidas com maior concentração alcoólica são absorvidas mais rápido).
Durante a avaliação, o paciente pode estar com sintomas de intoxicação associados a um determinado nível de concentração de álcool no sangue, que pode melhorar ou agravar nas próximas horas, dependendo se o paciente ainda está absorvendo álcool ou já está metabolizando o álcool ingerido.
Critérios Diagnósticos de acordo com o DSM-5
- Ingestão recente de álcool
- Alterações comportamentais ou psicológicas clinicamente significativas e problemáticas (p. ex., comportamento sexual ou agressivo inadequado, humor instável, julgamento prejudicado) desenvolvidas durante ou logo após a ingestão de álcool
- Um (ou mais) dos seguintes sinais ou sintomas, desenvolvidos durante ou logo após o uso de álcool:
- Fala arrastada
- Incoordenação
- Instabilidade na marcha
- Nistagmo
- Comprometimento da atenção ou da memória
- Estupor ou coma
- Os sinais ou sintomas não são atribuíveis a outra condição médica nem são mais bem explicados por outro transtorno mental, incluindo intoxicação por outra substância
Intoxicação Aguda
Manejo inicial
Quanto maior o nível de concentração de álcool no sangue (CAS), maior a intensidade da sintomatologia da intoxicação. Como em geral não é possível avaliar a CAS, o manejo é baseado na gravidade dos sintomas e se o uso é crônico ou agudo.
Atenção: Avaliar se o paciente não apresenta nenhum trauma físico em consequência da intoxicação. Se presente, manejar conforme gravidade.
Sintomas, concentração de álcool no sangue e ação necessária
Concentração de álcool no sangue |
Medida do Etilômetro (mg/L de ar expirado) |
Quadro clínico |
Ação |
0,01 – 0,05% |
0.05 - 0.25 |
Aumento do ritmo cardíaco e respiratório Perda da inibição, sensação de euforia, relaxamento e prazer |
Manter em ambiente calmo, monitorando as vias aéreas e observar o risco de aspiração do vômito Manejo tranquilizador com o paciente Observar por aproximadamente 1h e liberar se os sintomas estiverem melhorando Se durante a observação os sintomas se agravarem, tomar condutas da próxima etapa |
0,06 – 0,10% |
0.3 – 0.5 |
Diminuição da atenção e da vigilância, reflexos mais lentos, dificuldade de coordenação e redução da força muscular Redução da capacidade de tomar decisões racionais ou de discernimento; diminuição da paciência |
|
0,11 – 0,15% |
0.55 – 0.75 |
Reflexos consideravelmente mais lentos; fala arrastada Problemas de equilíbrio, alteração de algumas funções visuais Vômito, sobretudo se esta alcoolemia for atingida rapidamente |
|
0,16 – 0,29% |
0.8 – 1.45 |
Transtornos graves dos sentidos, inclusive consciência reduzida dos estímulos externos Alterações graves da coordenação motora, com tendência a cambalear e a cair freqüentemente |
Manter em observação com controle do nível de consciência, de sinais vitais e cuidar risco de aspiração do vômito Se durante a observação o paciente estiver com DIMINUIÇÃO dos SINTOMAS manter observação e conduta conforme etapa anterior |
0,30 – 0, 39% |
1.5 – 1.95 |
Perda de consciência, sedação comparável ao de uma anestesia cirúrgica e morte (em muitos casos) |
Cuidado na manutenção de vias aéreas livres, observando o risco de aspiração do vômito, controle de sinais vitais Realizar a abordagem de acordo com os protocolos institucionais de emergência Realizar HGT e administrar glicose APENAS se hipoglicemia |
A partir de 0,40% |
A partir de 2.0 |
Inconsciência, parada respiratória e morte |
Realizar a abordagem de acordo com os protocolos institucionais de emergência |
Atenção: A intoxicação por álcool pode ocorrer em um paciente com transtorno por uso de álcool. É importante observar que à medida que a CAS vai diminuindo, ele pode começar a apresentar sintomas de abstinência alcoólica.
Nesses casos, o manejo na fase de intoxicação segue o mesmo do uso agudo, mas ao reduzir os sinais de intoxicação deve ser iniciada as medidas para tratamento e prevenção de Síndrome de Abstinência de Álcool (SAA).
Quanto mais jovem o paciente apresentar condições de intoxicações regulares, maior a probabilidade de desenvolver transtorno por uso de álcool.
Intoxicação Aguda
Metas terapêuticas / Plano de alta
Metas terapêuticas
Para receber alta de um atendimento por intoxicação alcoólica, é importante o paciente não apresentar mais nenhum sintoma de intoxicação, estar alerta, consciente, sem alterações da sensopercepção e orientado no tempo e espaço. Importante ter alta preferencialmente acompanhado de algum familiar ou responsável.
Plano de alta
A nota de alta deve conter um resumo detalhado do quadro clínico e da estratégia terapêutica adotada durante o atendimento.
- Diagnóstico e informação médica relevante
- Disponibilizar os resultados dos exames realizados
- Receita médica completa
- Conforme condição clínica associada, considerar encaminhamento para médico especialista
- Encaminhamento à Unidade de Atenção Primária de referência ou Centro de Atenção Psicossocial (preferencialmente álcool e drogas) em até 7 dias da alta para consulta de revisão
- Se o paciente apresentar indicação de tratamento da SAA/desintoxicação oriente a reavaliação no dia seguinte a alta
- Ênfase nas medidas de autocuidado - Adesão ao tratamento medicamentoso e abstinência ao álcool
Síndrome de abstinência de álcool
Aspectos gerais
A síndrome de abstinência de álcool (SAA) é definida por um conjunto de sintomas apresentados após horas ou dias da redução ou interrupção do uso de álcool, em pacientes que fazem uso pesado e prolongado. A maioria dos pacientes apresenta sintomas leves a moderados, porém alguns pacientes podem apresentar sintomas mais graves.
A redução repentina na ingestão de álcool pode resultar em abstinência grave em pacientes dependentes.
A SAA evolui em estágios, a partir do estágio 2 ou com risco de SAA grave os pacientes devem ser estabilizados e encaminhados para desintoxicação em ambiente sob observação e com cuidados clínicos de acordo com a gravidade e comorbidades do paciente.
Síndrome de abstinência de álcool
Manejo inicial
Estágios da síndrome de abstinência de álcool e manejo inicial
Estágio |
Tempo após último consumo |
Sintomas |
Manejo |
1 |
6 – 8 horas |
Ansiedade, tremor leve, náusea, taquicardia |
Avaliar a possibilidade de tratamento ambulatorial Encaminhar para tratamento/desintoxicação na APS |
2 |
10 – 30 horas pode durar até 8 dias |
Tremor grosseiro, insônia, sudorese, pesadelos, ilusões podendo evoluir para alucinações (visuais, táteis ou auditivas) 3 – 5% progridem para o estágio 3 |
Administrar benzodiazepínico (ex. diazepam 10-20 mg VO) de hora em hora até o paciente estar com sintomas leves e ser encaminhado Acionar o Serviço de atendimento móvel/SAMU 192 Controlar sinais vitais |
3 |
12 – 48 horas |
Similar ao estágio 2, associado a convulsões tônico-clônicas 1/3 irá progredir para o estágio 4 se não tratado |
Acionar o Serviço de atendimento móvel/SAMU 192 Administrar benzodiazepínico (ex. 10 mg de diazepam EV) até de hora em hora enquanto aguarda o Serviço de atendimento móvel/SAMU Pacientes em estágio 4 DEVEM ser atendidos na Unidade Hospitalar |
4 |
3 – 5 dias, com duração até 14 dias |
Delirium tremens, desorientação, agitação, hiperatividade, alucinações, diaforese, hipertensão, taquicardia |
|
Todos |
Colocar o paciente em ambiente tranquilo e a partir do estágio 2 manter sob observação Antes de encaminhar os pacientes para outro ponto de atenção, sempre que disponível, administrar Tiamina. Preferencialmente Tiamina* 100 mg via IM/EV em pacientes com sinais de desnutrição, má-absorção ou que já tiveram complicações por SAA grave (Se não houver Tiamina parenteral disponível, considerar complexo B que contenha ao menos 100 mg de Tiamina) Na ausência de Tiamina parenteral realizar a profilaxia com Tiamina 300 mg via oral (menos eficaz) NÃO utilizar clorpromazina (diminui limiar convulsivante). Se necessário usar antipsicótico, dar preferência para haloperidol em baixa dose (1 mg a cada 6h) com cautela NÃO administrar soro glicosado se o paciente não estiver hipoglicêmico NÃO administrar fenitoína para tratar convulsões de abstinência de álcool |
*Tiamina parenteral não está disponível na Relação Nacional de Medicamentos(RENAME), entretanto consta como um componente do complexo B, disponível conforme a Portaria nº 2.048/GM/MS, de 05 de novembro de 2002. Considerar os protocolos locais e as pactuações regionais para escolha da forma de apresentação terapêutica.
Síndrome de abstinência de álcool
Manejo complementar
Situações agudas relacionadas à síndrome de abstinência alcoólica podem acontecer nos estágios 2, 3 e 4. Além do manejo farmacológica descrito em Estágios da síndrome de abstinência de álcool e conduta, há outras medidas e cuidados importantes:
Alteração dos sinais vitais: A taquicardia e a hipertensão em geral melhoram com o uso de benzodiazepínicos.
Se a pressão arterial for < 180/120 mmHg, manejar apenas com benzodiazepínicos com meta de < 160/100 mmHg.
Se ≥ 180/120 mmHg, trata-se como crise hipertensiva. Consulte a Linha de cuidado da HAS - Crise hipertensiva;
Convulsões: Em geral são únicas e o tratamento com benzodiazepínicos deve ser iniciado assim que possível para prevenir novas convulsões e a evolução para delirium tremens.
Objetivos do tratamento da SAA:
- Alívio dos sintomas existentes
- Prevenção de complicações da SAA, como convulsões, delirium tremens e encefalopatia de Wernicke
- Prevenção de complicações de doenças pré-existentes
- Vinculação e engajamento do paciente no tratamento do transtorno por uso de álcool
Síndrome de abstinência de álcool
Metas terapêuticas / Plano de alta
Metas terapêuticas
Para receber alta da UPA após um quadro de Síndrome de Abstinência Alcoólica, o paciente precisa estar: Alerta, consciente, marcha normal, sem tremores grosseiros de extremidades, sem nistagmo, sem alterações da sensopercepção e orientado no tempo e espaço.
Em casos não complicados, poderá dar seguimento ao tratamento da SAA ambulatorialmente.
É necessário que o paciente possa fazer o acompanhamento em uma unidade de saúde na APS ou CAPS. O familiar ou responsável também deve ser orientado.
Caso o paciente apresente uma SAA complicada (por exemplo em estágio 4) deve ser encaminhado para desintoxicação na Unidade Hospitalar.
Para avaliar os padrões de consumo de álcool consulte Padrões de consumo de álcool e diagnóstico de transtorno por uso de álcool de acordo com o DSM-5.
Plano de alta
A nota de alta deve conter um resumo detalhado do quadro clínico e da estratégia terapêutica adotada durante o atendimento.
- Diagnóstico e informação médica relevante
- Disponibilizar os resultados dos exames realizados
- Receita médica completa
- Conforme condição clínica associada, considerar encaminhamento para médico especialista
- Encaminhamento à Unidade de Atenção Primária de referência ou Centro de Atenção Psicossocial (preferencialmente álcool e drogas) para retorno em até 24h da alta
- Ênfase nas medidas de autocuidado - Adesão ao tratamento medicamentoso e abstinência ao álcool
- Oriente o paciente/cuidador a procurar a Unidade de Saúde imediatamente se qualquer problema