Linhas de Cuidado

Vigilância em Saúde

A Atenção Primária à Saúde (APS) ocupa o lugar de ordenadora das diferentes Redes de Atenção, sendo uma das portas principais de entrada no Sistema Único de Saúde. No caso da organização da atenção às pessoas com TEA, destaca-se a vigilância do desenvolvimento infantil. Acesse aqui

É fundamental a construção da cumplicidade na relação entre os profissionais e as famílias, garantindo ESCUTA QUALIFICADA às diversas necessidades.

As famílias de crianças com desenvolvimento atípico e suspeita de TEA devem encontrar na APS sua possibilidade mais imediata de apoio no que se refere aos cuidados básicos de saúde, estimulação precoce, diagnóstico, à prevenção de agravos e às ofertas de reabilitação.

O TEA infantil envolve alterações precoces nas áreas de socialização e comunicação.

Transtorno do Espectro Autista (TEA) na criança - Habilidade Social - Comportamentos e interesses restrititivos e repetitivos - Comunicação

Fonte: Adaptado de Cartilha: Autismo e Educação. São Paulo: Autismo e Realidade, 2013.

A equipe da Atenção Primária à Saúde tem a importante tarefa de identificar sinais de alerta e alterações no desenvolvimento da criança, mediante a aplicação dos instrumentos de vigilância disponíveis na Caderneta da Criança: Menino e Caderneta da Criança: Menina, incluindo a aplicação da escala M-CHAT-R, e da escuta ampliada e atenta da família acerca do desenvolvimento da criança.

Recomenda-se que toda a criança seja submetida a uma triagem para o TEA na consulta de 18 meses, através da aplicação da escala M-CHAT-R, mesmo naquelas que não estão sob suspeita diagnóstica de TEA ou outros transtornos, desvios e atrasos do desenvolvimento. O teste pode ser repetido em intervalos regulares de tempo ou quando houver dúvida. Em casos suspeitos, a aplicação da M-CHAT-R deve ser antecipada para uma consulta com 16 meses de idade. Sugere-se que o agendamento seja realizado no momento da vacinação da criança com 15 meses de idade.

É importante destacar que medidas de estimulação, mediante a detecção de ausência de algum marco no desenvolvimento, devem ser tomadas imediatamente pela equipe, uma vez que a INTERVENÇÃO PRECOCE e oportuna favorece um melhor desfecho para a criança, independentemente de confirmação diagnóstica posterior na Atenção Especializada.

A articulação com outros pontos de atenção deve ser feita institucionalmente, de maneira a evitar que as famílias se desloquem desnecessariamente e tentem individualmente seu acesso a outros pontos de atenção que se façam necessários.

Avaliação diagnóstica precoce

Aspectos Gerais

A identificação de risco para o transtorno do espectro autista (TEA) deve ser feita precocemente nas consultas de puericultura, buscando identificar sinais de qualquer atraso no desenvolvimento.

identificação de sinais iniciais de alterações no desenvolvimento possibilita a instauração imediata de intervenções extremamente importantes, uma vez que os resultados positivos em resposta a terapias são tão mais significativos quanto mais precocemente instituídos. 

lactente pode demonstrar sinais de TEA desde os primeiros meses de vida, apresentando sinais precoces que indicam especial atenção na avaliação de rotina do desenvolvimento neuropsicomotor

Sinais que podem sugerir desenvolvimento atípico e devem ser avaliados na consulta de puericultura:  

  • atraso para adquirir o sorriso social 
  • desinteresse ou pouco interesse pela face humana 
  • olhar não sustentado ou ausente 
  • preferência por dormir sozinho no berço 
  • irritabilidade quando ninado no colo 
  • ausência da ansiedade de separação e indiferença quando os pais se ausentam 

Após os 18 meses, os traços de TEA tornam-se mais evidentes. Deve-se investigar qualquer atraso de linguagem verbal ou não-verbal, déficits no contato social interesse no outrointeresses repetitivos proeminentes e estereotipias

Cabe aos profissionais da Atenção Primária à Saúde a tarefa de identificação de sinais iniciais de atraso no desenvolvimento, durante as consultas de puericulturabuscando identificar sinais precoces de qualquer atraso de linguagem verbal ou não-verbal, contato social e o interesse no outro deficitários, interesses repetitivos proeminentes e estereotipias que indiquem uma avaliação detalhada do desenvolvimento da criança e a necessidade de estimulação precoce focada na socialização, linguagem e afeto.  

Avaliação do desenvolvimento

A Caderneta da Criança é um instrumento de vigilância em saúde que facilita o acompanhamento integral da saúde infantil.

vigilância em saúde deve ser um processo contínuo de acompanhamento das atividades relacionadas ao desenvolvimento da criança e à detecção de alterações no desenvolvimento típico. Devem ser responsáveis tanto profissionais de saúde quanto professores e núcleo familiar. 

aquisição de marcos de desenvolvimento pelas crianças depende do funcionamento do sistema nervoso central, de outras dimensões do funcionamento orgânico, da carga e qualidade dos estímulos recebidos e das relações que a criança vivencia. Assim, fatores endógenos e exógenos podem provocar, com maior ou menor intensidade, transtornos no processo de desenvolvimento. 

Como identificar os primeiros sinais do TEA
Como identificar os primeiros sinais do TEA

Fonte: Adaptado de Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.

identificação precoce de perdas auditivas possibilita intervenção imediata, oferecendo condições para o desenvolvimento da fala, da linguagem, da sociabilidade, do psiquismo e do processo educacional da criança, permitindo prognósticos mais favoráveis. 

A audição, nos primeiros anos de vida, auxilia na organização de processos neuropsicológicos, orgânicos, afetivos e simbólicos. O sistema auditivo está formado no nascimento e a estimulação sonora promoverá maturação das vias auditivas, no tronco encefálico.  

O período de maior plasticidade neuronal da via auditiva compreende a faixa etária que vai do nascimento aos 2 anos de idade. Durante esse período, o sistema auditivo central encontra-se maleável às modificações, por isso a importância de detecção precoce de alterações.  

O profissional da APS no momento da primeira consulta de puericultura deve verificar se a criança realizou o Teste de triagem auditiva neonatal, uma vez que esse exame tem por finalidade a identificação precoce de deficiências auditivas e deve ser realizado, preferencialmente, nos primeiros dias de vida ainda na maternidade. 

Respostas motoras ao estímulo sonoro de crianças de zero a 2 anos

Faixa etária  

Respostas motoras 

Reflexo cócleo-palpebral 

Zero a 3 meses 

No início, resposta de sobressalto ou de Moro em recém-nascidos com audição normal com estímulo de 65 dB NPS* ou mais alto, apresentado de forma súbita. Reação de sobressalto/resposta de atenção/virar a cabeça 

Presente 

3 a 6 meses 

Entre 3 e 4 meses: O lactente pode começar a virar lentamente a cabeça. Resposta de atenção/virar a cabeça/localização lateral 

Presente 

6 a 9 meses 

7 meses: Os músculos do pescoço do lactente estão suficientemente fortes para permitir que ele gire a cabeça diretamente para o lado de onde vem o som 

Resposta de atenção/localização lateral 

Localização INDIRETA para baixo 

Entre 7 e 9 meses: Começa a identificar a localização precisa da fonte sonora com uma virada direta da cabeça para o lado. A resposta é brusca e firme 

Ainda não olha diretamente para o som apresentado acima do nível dos olhos 

Presente 

9 a 13 meses 

10 meses: Começa a localizar o som acima da cabeça 

Localização para o lado 

Localização DIRETA para baixo 

Presente 

16 a 21 meses 

Localiza diretamente os sons para o lado, para baixo e para cima 

Presente 

21 a 24 meses 

Localização direta do som para o lado, para baixo e para cima 

Presente 

*NPS: Nível de Pressão Sonora.

Fonte: Adaptado de Diretrizes de estimulação precoce: Crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor decorrente de microcefalia. Brasília: Ministério da Saúde, 2016.

As funções da visão são importantes para o desenvolvimento infantil, pois integram as informações recebidas pelos outros sentidos e influenciam outros aspectos do desenvolvimento, como o desenvolvimento motor, cognitivo e pessoal-social. 

Ao nascimento, tanto o sistema nervoso central, quanto o sistema ocular são imaturos, sendo necessárias experiências visuais para que ambos se desenvolvam. Os primeiros anos de vida da criança são considerados períodos críticos para o desenvolvimento da visão e as experiências visuais são fundamentais para a formação das conexões cerebrais responsáveis pela visão. 

Toda criança nasce com baixa visão, conforme os estímulos visuais aos quais é exposta, nas primeiras semanas de vida, tanto retina, vias ópticas e córtex visual têm um rápido desenvolvimento, sendo o primeiro ano de vida o período evolutivo de maior importância. 

Até os 4 anos, há um refinamento do desenvolvimento das funções visuais que se completa entre 9 a 10 anos de idade. 

O profissional da APS no momento da consulta de puericultura deve realizar, desde que capacitado, o teste do reflexo vermelho na primeira consulta do recém-nascido e repetir aos 4, 6 e 12 meses de idade e na consulta dos 2 anos de idade, a fim da detecção precoce de possíveis problemas visuais que podem interferir sobremaneira no desenvolvimento infantil.

Marcos do desenvolvimento visual da criança (zero a 3 anos de idade)

Idade 

Comportamentos visuais presentes 

30 a 34 semanas de idade gestacional 

Reação pupilar à luz, fechar as pálpebras diante de luz intensa e reflexo de fixação 

Ao nascimento 

Busca da fonte luminosa, fixação visual presente, mas breve, tentativas de seguir objeto em trajetória horizontal 

1 mês 

Contato visual e fixação visual por alguns segundos, seguimento visual em trajetória horizontal em arco de 60 graus, preferência por objetos de alto contraste e figuras geométricas simples 

2 meses 

Fixação estável e muito bem desenvolvida, inicia coordenação binocular, seguimento visual em trajetória vertical, interesse por objetos novos e com padrões mais complexos, inicia sorriso social 

3 meses 

Desenvolve acomodação e convergência, inicia observação das mãos e faz tentativas de alcance para o objeto visualizado. Até o 3 º mês, a esfera visual é de 20 a 30 centímetros 

4 meses 

Pode levar a mão em direção ao objeto visualizado e agarrá-lo 

5 a 6 meses  

Fixa além da linha média, aumento da esfera visual, capaz de dissociar os movimentos dos olhos dos movimentos de cabeça, acuidade visual bem desenvolvida, reconhece familiares, amplia o campo visual para 180 graus, movimentos de busca visual são rápidos e precisos. Pode apresentar desvio ocular, mas, se for persistente, é necessária avaliação oftalmológica 

7 a 10 meses 

Interessa-se por objetos menores e detalhes, interessa-se por figuras, esfera visual bastante ampliada, busca e reconhece objetos parcialmente escondidos 

11 a 12 meses 

Orienta-se visualmente no ambiente familiar, reconhece figuras, explora detalhes de figuras e objetos, comunicação visual é efetiva  

12 a 24 meses 

Atenção visual, aponta para o objeto desejado, mesmo que esteja à distância, muda o foco de visão de objetos próximos para distantes com precisão, identifica em si, no outro ou em bonecos as partes do corpo, reconhece o próprio rosto no espelho, reconhece lugares, rabisca espontaneamente 

24 a 36 meses 

Tenta copiar círculos e retas, constrói uma torre com três ou quatro cubos. Percepção de profundidade está quase completa 

Fonte: Adaptado de Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor decorrente de microcefalia. Brasília: Ministério da Saúde, 2016.

As etapas do desenvolvimento motor evoluem de forma gradativa e organizada, para avançar para a próxima etapa é necessário completar a etapa anterior.

acompanhamento das aquisições é feito por meio da avaliação observacional da: 

  • Motricidade espontânea 
  • Motricidade provocada 
  • Motricidade liberada e dirigida 
  • Avaliação do tônus muscular 
  • Avaliação das reações e dos reflexos primitivos  

A avaliação do desenvolvimento motor normal é realizada através da Escala de Denver II, contida na Caderneta da Criança: Menino e Caderneta da Criança: Menina

Assim como outros instrumentos de triagem, o Denver II não tem um constructo de hipóteses pré-estabelecido, ele apenas define a idade com que uma criança cumpre uma determinada tarefa.  

A complementação de fatores de risco provenientes do protocolo de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes da Infância (AIDPI) agrega, além de categorias de risco para o atraso nos marcos do desenvolvimento, outros fatores de risco relevantes associados como alterações fenotípicas e perímetro cefálico -2Z escores ou +2Z escores. 

Reações e Reflexos Primitivos

Fonte: Adaptado de Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Brasília: Ministério da Saúde, 2016.

ausência ou presença de estímulos nos momentos adequados podem alterar o curso do desenvolvimento.

O desenvolvimento cognitivo integral está ligado a relações entre as funcionalidades sensorial, perceptiva, motora, linguística, intelectual e psicológica. O progresso depende das etapas críticas da maturação neurocerebral do indivíduo.

Deve-se garantir a promoção de relacionamentos estimulantes e ricos em experiências de aquisição. Os benefícios alcançados serão permanentes à saúde emocional e física da criança.

avaliação objetiva de habilidades motoras, de comunicação, de interação social e cognitiva deve ser realizada de acordo com os marcos propostos na Caderneta da Criança. 

Avaliação do desenvolvimento: Orientação para a tomada de decisão
Dados da avaliação Classificação Conduta

Perímetro cefálico < -2 escores z ou > +2 escores z, ou presença de 3 ou mais alterações fenotípicas*, ou ausência de 1 ou mais marcos para a faixa etária anterior (se a criança estiver na faixa de 0 a 1 mês, considere a ausência de 1 ou mais reflexos/posturas/habilidades para a sua faixa etária suficiente para esta classificação) 

PROVÁVEL
ATRASO NO
DESENVOLVIMENTO

Acionar a rede de atenção especializada para avaliação do desenvolvimento

Ausência de 1 ou mais reflexos/ posturas/habilidades para a sua faixa etária (de 1 mês a 6 anos)

ou

Todos os reflexos/posturas/habilidades para a sua faixa etária estão presentes, mas existem 1 ou mais fatores de risco

ALERTA PARA O DESENVOLVIMENTO

Orientar o cuidador da criança sobre a estimulação

Marcar retorno em 30 dias

Informar cuidador sobre os sinais de alerta para retornar antes de 30 dias

Todos os reflexos/posturas/habilidades para a sua faixa etária estão presentes

DESENVOLVIMENTO ADEQUADO

Elogiar o cuidador

Orientar o mãe/cuidador para que continue estimulando a criança

Retornar para acompanhamento conforme a rotina do serviço de saúde

Informar o mãe/cuidador sobre os sinais de alerta

* Exemplos de alterações fenotípicas frequentes em recém-nascidos: fenda palpebral oblíqua, implantação baixa de orelhas, pescoço curto e/ou largo, prega palmar única e quinto dedo da mão curto e recurvado.

Fonte: Adaptado de Caderneta da Criança. Brasília: Ministério da Saúde, 2020.

Para saber sobre a vigilância do desenvolvimento infantil, acesse Apurando o Olhar para a Vigilância do Desenvolvimento Infantil – Playlist com todos os vídeos.

Vigilância no ambiente escolar

O ambiente escolar possibilita a percepção de uma variabilidade enorme de características que as crianças podem apresentar, seja em sala de aula ou nos momentos de lazer.  

As escolas são ambientes privilegiados para o desenvolvimento de crianças, adolescentes e suas famílias, tanto na promoção de fatores protetivos quanto na detecção de riscos e na redução de danos de agravos psicossociais. Por concentrarem a maior parte da população infantojuvenil brasileira, os estabelecimentos escolares agregam diversidades e singularidades, potencialidades e recursos significativos para a produção de saúde, a garantia da proteção integral e o desenvolvimento de pessoas sob princípios de autonomia e emancipação. 

Os sinais de alerta devem ser trabalhados pela equipe de saúde da Atenção Primária junto a professores e ambiente escolar.  

A escola deve estar preparada para identificar a presença de desenvolvimento atípico e comunicar para a família para que o processo de acompanhamento diagnóstico e clínico seja iniciado na Atenção Primária à Saúde o mais rápido possível. Intervenções precoces e intensivas compartilhadas pelo serviço de saúde e a escola fazem uma diferença considerável no desenvolvimento e na qualidade de vida da criança e de sua família.  

Além de capacitação para identificação de sinais de alerta, os profissionais que trabalham com educação de crianças com TEA devem ser instruídos quanto a estratégias de prevenção e gerenciamento de comportamentos disruptivos ou contrários à aprendizagem. 

O TEA é uma condição neurológica complexa, e apresenta especificidades que requerem o envolvimento ativo de pais e professores na elaboração de um plano de ação que promova uma melhor aprendizagemadaptabilidade e inclusão da criança.  

A criança com diagnóstico de TEA em seu processo de introdução escolar, deverá passar por uma avaliação que identifique suas potencialidades e fragilidades, de forma a subsidiar a construção de uma matriz pedagógica que respeite suas especificidades, promova a estimulação de suas potencialidades e trabalhe no fortalecimento de suas fragilidades. Repertórios acadêmicos, sociais e de comunicação devem ser minuciosamente detalhados nessa matriz. 

Para mais informações sobre estratégias no manejo de crianças com TEA na escola, acesse a Cartilha Autismo e Educação.

Última atualização: 25 de março de 2021