Linhas de Cuidado

Planejamento terapêutico

Aspectos Gerais

O serviço de atendimento especializado deve realizar o atendimento de pacientes com contagem de LT-CD4+ < 350, com doenças oportunistas, condição clínica complexa, coinfecções ou que necessitem modificar terapia antirretroviral já em uso por falhas ou paraefeitos (terapia de segunda linha).

Objetivos da atenção especializada no atendimento de pacientes com HIV:

  • Ampliar o acesso às ações de prevenção e diagnóstico de HIV e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs)
  • Promover a qualidade de vida das pessoas com HIV e Aids
  • Contribuir para a redução do preconceito, estigma e discriminação das pessoas vivendo com HIV e Aids
  • Orientar familiares e acompanhantes
  • Apoiar o vínculo a retenção do paciente com o tratamento na rede de atenção primária e especializada 

Atribuições e atividades: 

Durante os atendimentos na Atenção especializada é importante considerar as Etapas do cuidado continuado.

Terapia de resgate

A composição e a complexidade do esquema de resgate dependem do tipo de falha (falha inicial vs. falhas múltiplas; resistência restrita vs. resistência ampla), além dos níveis de CV-HIV e da contagem de LT-CD4+ no momento da falha. 

Falha prolongada, falhas múltiplas, resistência genotípica ampla (incluindo mutações no gene da protease), CV-HIV alta e contagens de LT-CD4+ baixas são fatores associados a menores taxas de resposta e podem demandar esquemas ARV mais complexos.

Princípios gerais do manejo da falha antirretroviral

1. Identificar precocemente a falha virológica

CV detectável após 6 meses do início ou troca do tratamento, ou

CV detectável em pacientes que já estavam em tratamento, e que vinham mantendo CV-HIV indetectável

2. Solicitar precocemente o teste de genotipagem

Critério: CV-HIV > 500 cópias/mL, falha virológica confirmada, uso regular de TARV por 6 meses

Se falha com INI, solicitar genotipagem da integrase

Se expectativa de resistência em Ã3 classes, solicitar genotropismo (para considerar uso de MVC)

3. Rever o esquema ARV vigente

Adesão, uso/administração, tolerância, interações, potência

4. Rever o histórico de ARV e de resposta à TARV

Se falha prévia com EFV ou NVP, presumir que há resistência a ambos medicamentos, ainda que não detectada no teste

Se falha prévia ao 3TC, presumir a presença da mutação M184V e o comprometimento da atividade do 3TC e ABC, ainda que não detectados no teste

Se falha prolongada, pressupor acúmulo de mutações

Se nunca houve falha prévia a IP sem ritonavir, pressupor atividade plena dos IP/r

5. Considerar todos os testes de genotipagem já realizados

Mutações previamente detectadas podem “desaparecer” na ausência de pressão seletiva (suspensão do ARV que selecionou a resistência), mas devem ser consideradas arquivadas, pois reemergem rapidamente quando o ARV é reintroduzido

6. Incluir IP/r ativo no esquema de resgate

Além da atividade, considerar o perfil de tolerância e a posologia do IP/r, de modo a favorecer a adesão

7. Avaliar a necessidade de esquemas de ARV mais complexos

Considerar nível de CV-HIV, contagem de LT-CD4+ e perfil de resistência à protease para avaliar a necessidade de adição de novos medicamentos e/ou novas classes de antirretrovirais

8. Discutir casos de maior complexidade

Casos de falhas múltiplas e/ou resistência ampla devem ser discutidos com especialistas (MRG) ou encaminhados a centros de referência

CV: carga viral; TARV: terapia antirretroviral; INI: inibidor de integrase; MVC: maraviroque; ARV: antirretroviral; EFV: efavirenz; NVP: nevirapina; 3TC: lamivudina; ABC: abacavir; IP/r: inibidor de protease com reforço de ritonavir; MRG: médico de referência em genotipagem.

Fonte: Adaptado de Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos. Brasília: Ministério da Saúde, 2018.

Acompanhamento

O cuidado do paciente deve ocorrer de forma integral e multiprofissional, compartilhado entre Atenção Primária e Atenção Especializada. 

O atendimento compartilhado e/ou individualizado da equipe multidisciplinar, médico, enfermeiro, psicólogo, nutricionista, assistente social, dentista e farmacêutico (quando disponíveis) tem como objetivo promover a participação do paciente no autocuidado.

Todo plano terapêutico deve ser elaborado pela equipe com a participação do paciente.

Recomenda-se avaliar em cada consulta: 

  • Adesão à TARV para supressão sustentada da carga viral (frequência às consultas, intercorrências clínicas e laboratoriais, efeitos colaterais e reações adversas)
  • Uso regular do preservativo e práticas seguras de sexo
  • Avaliação de desejo reprodutivo
  • Orientações sobre uso de substâncias psicoativas e o uso de álcool
  • Detecção e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis
  • Detecção e tratamento de sofrimento mental

A presença de sintomas de tuberculose ativa deve ser avaliada em todas as consultas.

Para mais informações consulte coinfecções.

Monitorização da infecção

Carga viral-HIV

Utilizada para monitoramento da evolução clínica e efetividade do tratamento.

Frequência de solicitação de exame de CV-HIV de acordo com a situação clínica

Situação Clínica 

Frequência de Solicitação

Principais Objetivos

Pessoa vivendo com HIV em seguimento clínico

A cada 6 meses 

Confirmar continuidade da supressão viral e adesão do paciente

Início de TARV ou modificação de TARV por falha virológica 

Após 8 semanas do início de TARV ou de novo esquema TARV

Confirmar resposta virológica adequada à TARV ou ao novo esquema de TARV e adesão do paciente

Confirmação de falha virológica

Após 4 semanas da primeira carga viral HIV detectável 

Confirmar falha virológica e necessidade de solicitação de exame de genotipagem

TARV: terapia antirretroviral.

Fonte: Adaptado de Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos. Brasília: Ministério da Saúde, 2018.

Contagem de LT-CD4+

Pacientes estáveis em terapia antirretroviral, com CV-HIV indetectável e contagem de LT-CD4+ acima de 350 células/mm³, a realização da contagem de LT-CD4+ não traz nenhum benefício ao monitoramento clínico-laboratorial.

Frequência de solicitação de Contagem de LT-CD4+ de acordo com a situação clínica

Situação Clínica

Contagem de LT-CD4+

Frequência de Solicitação

Pessoa vivendo com HIV com:

- Em uso de TARV; e

- Assintomática; e

- Com carga viral indetectável

CD4 < 350 células/mm³

A cada 6 meses⁽ᵇ⁾

CD4 > 350 células/mm³ em dois exames consecutivos, com pelo menos 6 meses de intervalo

Não solicitar 

Pessoa vivendo com HIV que NÃO apresentem as condições acima, tais como:

- Sem uso de terapia antirretroviral; ou 

- Evento clínico⁽ᵃ⁾; ou 

- Em falha virológica

Qualquer valor de LT-CD4+

A cada 6 meses⁽ᵇ⁾

⁽ᵃ⁾ Infecções (inclusive infecção oportunista), toxicidade e possíveis causas de linfopenias (neoplasias, uso de interferon etc.).

⁽ᵇ⁾ Pacientes em uso de profilaxia de infecção oportunista podem ter a frequência de solicitação de contagem de LT-CD4+ reduzida para três meses, a fim de avaliar critérios de resposta imunológica para suspensão ou manutenção da profilaxia.

Fonte: Adaptado de Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos. Brasília: Ministério da Saúde, 2018.

Para acompanhamento do histórico de exames de LT-CD4+ e CV-HIV, acesse a plataforma LAUDO.

A periodicidade com que devem ser realizados os exames de Contagem de Subpopulações de Linfócitos T CD4+/CD8+ deve ser de acordo com os critérios estabelecidos no Protocolo Clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em adultos.

Acesso ao resultado dos exames via web

No Sistema LAUDO os profissionais cadastrados podem ter acesso aos resultados dos exames, bem como imprimir a ficha de solicitação (Laudo Médico para Emissão de BPA-I) para o próximo exame, e visualizar o histórico terapêutico do paciente o resultado do exame de Genotipagem, o parecer do Médico de Referência em Genotipagem e o histórico de exames do paciente podem ser consultados pelo profissional solicitante através do Sistema Laudo.

O Sistema de Controle de Exames Laboratoriais de CD4+/CD8+ e Carga Viral do HIV (SISCEL), sistema utilizado pelos laboratórios executores, auxilia no controle dos processos de cadastramento de pacientes e armazenagem do histórico dos exames realizados.

Detecção de falhas terapêuticas

A falha virológica é o principal parâmetro para caracterizar a falha da TARV.

É definida por um dos seguintes:

  •  Carga viral-HIV (CV-HIV) detectável após seis meses do início ou modificação da TARV
  •  CV-HIV detectável em indivíduos em TARV que mantinham CV-HIV indetectável

A CV-HIV detectável deve ser confirmada em coleta consecutiva, após intervalo de quatro semanas do exame anterior.

Fatores associados à falha virológica:

  • Má adesão: principal causa de falha virológica, podendo estar relacionada à fatores psicossociais do paciente ou à ocorrência de efeitos adversos
  • Fatores farmacológicos: deve-se pesquisar a possibilidade de administração incorreta dos ARV (como quebra de comprimidos), interações medicamentosas ou erros de prescrição (esquemas subótimos), além de outros fatores que resultam em má absorção ou eliminação acelerada dos medicamentos
  • Resistência viral: identificada no momento da falha em até 90% dos casos, podendo ser tanto causa como consequência da falha terapêutica

Confirmada a falha virológica, recomenda-se realização do teste de genotipagem, para otimizar a escolha do esquema de resgate, reduzindo a chance de acúmulo progressivo de mutações e de ampla resistência a antirretrovirais.

O teste de genotipagem está disponível no SUS conforme critérios definidos nos PCDT. O formulário para solicitação encontra-se disponível em: Formulário de Solicitação - Sistema e Informação para Rede de Genotipagem (Sisgeno).

O cadastro e liberação de exames de Genotipagem de HIV-1, e a consulta de exames e emissão de parecer pelos Médicos de Referência em Genotipagem, podem ser feitos pelo Sistema de Controle de exames de Genotipagem – Sisgeno.

Para mais informações acesse o Manual Técnico para Avaliação de Exames de Genotipagem e o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos.

A ocorrência de infecção oportunista (IO) na ausência de falha virológica não indica falha da TARV, mas pode refletir recuperação imunológica insuficiente, falha da profilaxia para IO ou síndrome inflamatória da reconstituição imune. Assim, raramente indicam a necessidade de mudança do esquema antirretroviral.

Promoção da Saúde

Com o avanço da TARV, o HIV/AIDS passou a ser uma condição crônica, além disso, os efeitos adversos da própria terapêutica aumentam o risco de doenças cardiovasculares, sendo necessário o reforço de medidas gerais de promoção da saúde. Para mais informações sobre Promoção da alimentação saudável, Prática de atividade física/exercício físico, Práticas Integrativas e Complementares em Saúde e Tabagismo, consulte Promoção da Saúde - Profissionais.

Aspectos específicos para pessoas vivendo com HIV

Promoção da alimentação adequada e saudável

Melhores escolhas alimentares, minimizam possíveis efeitos adversos da TARV, favorecem sua absorção e melhor tolerância.

Considere o estágio da infecção e as patologias associadas.

Aspectos relevantes:

  • Orientar sobre os cuidados de escolha, higiene, preparo e conservação adequada dos alimentos: auxilia na obtenção de um cardápio equilibrado e prevenção de toxinfecção alimentar
  • Avalie efeitos adversos decorrentes do uso da TARV (depleção da massa corporal, lipodistrofia, obesidade. Acesse a Linha de cuidado da obesidade.
  • Sintomas gastrintestinais (náuseas e/ou vômitos, dificuldade de digestão, pirose (azia ou queimação estomacal), diarréia, constipação intestinal, flatulência (gases intestinais)
  • Avalie possíveis dificuldades na deglutição em decorrência de infecções oportunistas na cavidade oral
  • Reforçe o consumo de pequenas refeições, várias vezes ao dia e a ingestão de líquidos

Para mais informações acesse o Manual clínico de alimentação e nutrição na assistência a adultos infectados pelo HIV e o Manual de adesão ao tratamento para pessoas vivendo com HIV e Aids.

Prática de Atividade física/exercício físico

Em PVHIV, não diminui a contagem de LT-CD4+, melhora a composição e imagem corporal, aptidão cardiorrespiratória, força e resistência muscular, diminui a ansiedade e depressão, entre outros benefícios.

As atividades físicas/práticas corporais devem ser incorporadas na rotina diária, segundo os interesses, necessidades, comorbidades e preparo físico atual do paciente. Deve-se avaliar o risco cardiovascular (Escore de risco global (ERG)).

Recomendações específicas podem ser necessárias de acordo com as características individuais.

Não recomendado até resolução ou controle da condição: Imunodeficiência avançada na presença de infecções oportunistas, comorbidades não controladas (HAS e DM II), hepatopatia grave com plaquetopenia (risco de sangramento).

Para mais informações acesse: Recomendações para a prática de atividades físicas para pessoas vivendo com HIV e Aids.

Imunização

Vacinas especialmente recomendadas:

Vacina influenza, Pneumocócica conjugada 13-valente (VPC13), Pneumocócica polissacarídica 23-valente (VPP23), Haemophilus influenzae tipo B, Meningocócicas conjugadas (MenC), Meningocócica B, Hepatite A, Hepatite B, Vacinação HPV.

Parâmetros imunológicos para Imunização com vacina de bactérias ou vírus vivos em pacientes Infectados pelo HIV com mais de 13 anos de idade 

Contagem de LT-CD4+ (percentual)

Recomendação para uso de vacinas com agentes vivos atenuados

> 350 células/mm³ (> 20%)

Indicar uso 

200-350 células/mm³ (15-19%)

Avaliar parâmetros clínicos e risco epidemiológico para a tomada de decisão

< 200 células/mm³ (< 15%)

Não vacinar

Fonte: Adaptado de Recomendação para vacinação em pessoas infectadas pelo HIV. Brasília: Ministério da Saúde, 2002.

Para mais informações, acesse o Calendário de vacinação para pacientes especiais - SBIM.

Encaminhamento

Paciente com comorbidades graves devem ser encaminhados, de acordo com as pactuações locais, para especialistas:

  • Doença renal crônica (TFG < 60 mL/min ou proteinúria)
  • Insuficiência cardíaca classe III e IV, cardiomiopatia isquêmica classe III e IV, outras cardiomiopatias
  • Alterações neurológicas ou psiquiátricas incapacitantes ou de difícil manejo medicamentoso por interações com a TARV