Planejamento Terapêutico - Hepatite B - Crônica
A definição do nível de atenção para realização do tratamento dependerá da estrutura e recursos disponíveis e das pactuações locais, podendo ser realizado na Atenção primária à Saúde ou de forma compartilhada com a Atenção Especializada.
Avaliação Inicial
O cuidado do paciente deve ocorrer de forma multiprofissional, compartilhado com a Atenção Primária e deve contemplar a definição do projeto terapêutico singular.
Consulte a Abordagem inicial, manifestações clínicas, anamnese / exame clínico.
Avalie a indicação de Profilaxia Pós-exposição (PEP)
- Anti-HAV IgG: Para definir imunização, se ainda não imunizado
- Anti-HCV e anti-HIV: Para identificar coinfecção, se ainda não foi realizado. Repetir pelo menos anualmente
- β-HCG: Para mulheres em idade reprodutiva. A cada 6 meses
- Endoscopia digestiva alta (EDA): Com cirrose (escore Child-Pugh B ou C), anualmente; sem cirrose ou escore Child-Pugh A, a cada 2-3 anos
- Ultrassonografia abdominal total: A cada 6 meses para rastreamento de hepatocarcinoma nos pacientes com história familiar ou cirrose
- Biópsia hepática, elastografia hepática e anti-HDV: Individualizar conforme o caso
Exames complementares
Exames |
Periodicidade |
Hemograma |
A cada 3-6 meses, conforme atividade da doença ou cirrose hepática |
Razão normalizada internacional (INR) |
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AST/TGO (aspartato aminotransferase), ALT/TGP (alanina aminotransferase) |
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Fosfatase alcalina /gama glutamil transferase/ bilirrubina total e frações |
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Glicemia de jejum |
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Proteína total/albumina |
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TSH/T4L |
A cada 12 meses ou conforme tratamento instituído |
Na (sódio)/K (potássio)/ureia/creatinina |
A cada 6 meses (alto risco de lesão renal) A cada 12 meses (baixo risco de lesão renal) |
EQU/Urina tipo 1/EAS (elementos e sedimentos anormais) |
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Clearance de creatinina |
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HBV-DNA |
A cada 6 meses no portador inativo e a cada 12 meses conforme diagnóstico e tratamento instituído |
Lipídios (colesterol total e frações, triglicérides), ferritina/ferro sérico/saturação transferrina |
A cada 12 meses para os pacientes em uso de tenofovir e nos casos de descompensação hepática e cirrose |
Densitometria óssea |
A cada 48 meses (mulheres acima de 40 anos em transição menopausal; homens acima dos 50 anos com risco de perda óssea) Individualizar em pacientes em uso de tenofovir ou com antecedentes relevantes |
Fonte: Adaptado de Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite B e Coinfecções. Brasília: Ministério da Saúde, 2017.
Avaliação da eficácia dos tratamentos: A partir da mudança no perfil sorológico, aminotransferases e níveis de HBV-DNA dos pacientes:
- Se HBeAg reagente, solicitar anualmente: HBsAg, anti-HBs, HBeAg, anti-HBe e HBV-DNA
- Se HBeAg não reagente, solicitar anualmente: HBsAg, anti-HBs, HBV-DNA
Pacientes em tratamento com alfapeginterferona:
- AST/ALT: Na 2ª semana de tratamento e a cada mês de tratamento
- Glicemia de jejum, TSH e T4L: A cada 3 meses
- HBV-DNA ao final da 24ª e 48ª semana de tratamento (avaliação da resposta) - se > 20.000 UI/mL substituir por tenofovir ou entecavir, pela baixa probabilidade de resposta terapêutico
Tratamento
O tratamento disponível não objetiva o resultado ideal, que seria a cura e é raramente alcançado. O objetivo da instituição do tratamento é evitar progressão da doença para cirrose e desenvolvimento de carcinoma hepatocelular, assim como a melhora da sobrevida em longo prazo.
A ingestão de álcool deve ser restrita.
A conduta terapêutica deve levar em consideração um período de observação de 6 meses com monitorização dos níveis de ALT e carga viral de acordo com comorbidades, presença de história de carcinoma hepatocelular, gestação, probabilidade de eventos adversos e de resposta terapêutica.
A decisão de iniciar o tratamento e a conduta terapêutica devem considerar:
- Risco de progressão da doença
- Elevação dos níveis de ALT
- Perfil sorológico (HBeAg) (marcador de replicação viral)
- Níveis de HBV-DNA
- Grau de fibrose detectada por elastografia hepática transitória (EHT) ou biópsia hepática
- Probabilidade de resposta terapêutica
- Eventos adversos
- Comorbidades, história de carcinoma hepatocelular, gestação
Resultado ideal: Perda sustentada do HBsAg, com ou sem soroconversão para anti-HBs
- Pacientes com HBsAg persistente (HBeAg reagente): A soroconversão para anti-HBe é um desfecho satisfatório. O tratamento visa manter a normalização da ALT e a redução do HBV-DNA para menos de 2.000 UI/mL ou no limite de indetectabilidade
- Pacientes com HBsAg persistente (HBeAg não reagente e anti-HBe reagente): O tratamento visa manter a normalização da ALT e a redução do HBV-DNA para menos de 2.000 UI/mL ou no limite de indetectabilidade
- Portadores de cirrose hepática: Buscar redução da carga viral e desaparecimento do HBeAg, manter o tratamento com análogo nucleos(t)ídeo indefinidamente
Tratamento medicamentoso
Regime terapêutico | Tempo de tratamento | Segurança | Observações |
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Tenofovir - 300 mg/dia via oral |
Até que seja alcançado o resultado ideal, para pacientes sem cirrose: Perda do HBsAg (não reagente) e HBV-DNA indetectável em 2 exames anuais consecutivos. Para pacientes com cirrose, manter o tratamento com análogo nucleos(t)ídeo indefinidamente |
Contraindicação relativa em pacientes com doença renal crônica, osteoporose e outras doenças do metabolismo ósseo | Primeira linha de tratamento |
Entecavir - 0,5 mg/dia via oral: Pacientes virgens de tratamento e/ou portadores de cirrose Child-Pugh A Entecavir - 1,0 mg/dia via oral: Pacientes portadores de cirrose Child-Pugh B ou C |
Até que seja alcançado o resultado ideal, para pacientes sem cirrose: Perda do HBsAg (não reagente) e HBV-DNA indetectável em 2 exames anuais consecutivos. Para pacientes com cirrose, manter o tratamento com análogo nucleos(t)ídeo indefinidamente |
Contraindicado em gestantes Atenção em pacientes com doença renal crônica: Corrigir a dose em caso de ClCr < 50 mL/min |
De ser considerado primeira linha apenas para pacientes em tratamento de imunossupressão e quimioterapia e, se contraindicação absoluta ao uso do tenofovir, ou alteração da função renal em decorrência do seu uso |
Alfapeginterferona - 180 mcg/semana subcutânea | 48 semanas |
Contraindicada se consumo atual de álcool ou drogas, cardiopatia grave, disfunção tireoidiana não controlada, distúrbios psiquiátricos não tratados, neoplasia recente, insuficiência hepática, exacerbação aguda de hepatite viral e transplante (exceto transplante hepático), gestação Plaquetopenia < 30.000/mm³ - suspensão obrigatória* |
Reservado a pacientes portadores de infecção pelo vírus da hepatite B com exame HBeAg reagente e sem contraindicação ao uso de alfapeginterferona. Tratamento alternativo, preferencialmente uma única vez |
* Em pacientes que não apresentarem soroconversão do anti-HBs ao final da 48ª semana de tratamento, substituir por tenofovir ou entecavir.
Fonte: Adaptado de Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite B e Coinfecções. Brasília: Ministério da Saúde, 2017.
Recomenda-se o exame de gravidez para mulheres em idade fértil antes de iniciar o tratamento com alfapeginterferona ou entecavir. Elas devem receber orientações quanto à necessidade do uso de método contraceptivo eficaz até o término do tratamento.
Resistência à terapêutica medicamentosa
Resistência ao Entecavir: Fazer a associação de tenofovir ao esquema de tratamento vigente. Após um ano de resgate e indetectabilidade do HBV-DNA, substituir a terapia dupla por monoterapia com tenofovir.
Para mais informações acesse o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite B e Coinfecções.
Imunossupressão e quimioterapia
Antes de receber terapia imunossupressora ou quimioterapia:
- Realizar testes sorológicos com pesquisa de HBsAg e do Anti-HBc total
- Receber tratamento com análogos de nucleos(t)ídeos. Para esses pacientes a primeira linha é o entecavir
As terapias antivirais profiláticas (antes da reativação) e preemptiva (após a reativação) deverão ser mantidas, no mínimo, por 6 meses após o término do tratamento imunossupressor. Se por tempo indefinido, manter o análogo.
Se o uso de imunossupressor for por tempo indefinido, manter o análogo.
Atenção: Caso o paciente já tenha utilizado lamivudina em tratamento prévio, podendo já apresentar resistência viral, é mais indicado o uso de tenofovir ao invés de entecavir – pelo risco de desenvolvimento de resistência cruzada
Coinfecções
Pacientes com HBV-DNA indetectável ou baixo (< 2.000 UI/mL) devem ser monitorados durante e após o tratamento. Se houver elevação dos níveis de HBV-DNA considerar a introdução da terapia antiviral.
A infecção pelo HIV está associada a uma pior resposta do tratamento da infecção pelo HBV com alfapeginterferona, aumento da toxicidade hepática e menor eficácia da terapia antirretroviral (TARV).
Pacientes portadores de coinfecção HIV/HBV devem ter sua TARV estruturada com tenofovir, preferencialmente associado à lamivudina.
O tenofovir e a lamivudina tem atividade contra o HIV e HBV e podem ser obtidos em coformulação para tomada única diária com perfil de toxicidade favorável.
Atenção: Em pacientes com HBsAg, antes do início dos DAA, dar preferência à TARV com medicação ativa contra o vírus da hepatite B (lamivudina e tenofovir), para evitar a reativação da hepatite B pelo tratamento da hepatite C.
Consulte Coinfecções.
Alimentação
Na hepatite aguda é importante instruir uma dieta pobre em gordura e rica em carboidratos, com especial atenção se o paciente é anorético ou apresenta perda de apetite, para que seja agradável ao consumo (aceitação alimentar).
Recomenda-se restrição à ingestão de álcool. Suspensa por seis meses no mínimo e, preferencialmente, por um ano.
Pacientes com hepatite crônica não devem consumir bebidas alcoólicas. Uso de café (3-4 xícaras por dia) pode ser estimulado porque reduz o risco de evolução para fibrose avançada e cirrose.
Pacientes com cirrose devem ter o consumo de sal restrito na presença de ascite e edema de membros inferiores.
A manutenção de uma nutrição adequada é importante para evitar a perda de massa muscular em pacientes com cirrose descompensada.
Deficiências proteico-calóricas e de micronutrientes são comuns em pacientes com cirrose, particularmente naqueles com doença avançada.
Dietas ricas em proteínas são relatadas como bem toleradas, e a restrição de proteínas não parece beneficiar os pacientes com encefalopatia hepática aguda. Podem ainda prevenir a encefalopatia hepática e melhorar a qualidade de vida em pacientes com cirrose.
A dieta oral regular com maior ingestão diária de energia (35-40 kcal/kg) e proteína (1,2-1,5 g/kg) pode estar associada a menor risco de complicações de cirrose.
Assim, recomenda-se a suplementação nutricional proteica, com lanche noturno rico em fontes de proteínas, objetivando o aumento sustentado na proteína corporal total para compensar o estado hipermetabólico que pode levar à depleção muscular após jejum noturno.
Adesão ao tratamento
O momento da entrega do resultado confirmatório ou a primeira consulta são oportunidades para construir aponte para a vinculação ao serviço e adesão ao tratamento. É nesse momento que os possíveis obstáculos podem ser identificados.
Oportunize atendimentos individuais e coletivos focalizados na adesão, como consulta de enfermagem, consulta farmacêutica, grupos terapêuticos, grupos focais, de acordo com a realidade de cada serviço.
Recomenda-se que os serviços estimulem a adesão do paciente ao tratamento, com o envolvimento de todos os profissionais.
A adesão ao tratamento é um processo colaborativo que facilita a aceitação e a integração da terapêutica em seu cotidiano. É fundamental para o sucesso das estratégias de atenção à saúde.
A avaliação contínua e o tratamento de condições que podem afetar a adesão, como depressão, álcool e uso de drogas, melhoram a saúde do paciente como um todo.
Fatores que podem facilitar a adesão
- O acesso à informação sobre sua própria condição de saúde e possíveis efeitos adversos
- Vínculo com os profissionais da equipe multidisciplinar do serviço de saúde
- Integração de informações pela equipe multidisciplinar
- Suporte social disponibilizado por familiares, amigos, pessoas de grupo religioso ou integrantes de instituições, pessoas de organizações da sociedade civil
- Faixa etária do paciente
- Escolaridade
Realize uma escuta qualificada, com acolhimento, atenção e respeito, para fortalecer o vínculo com a equipe e serviço de saúde.
A adesão deve ser estimulada a cada consulta em busca de solução para possíveis falhas no(a):
- Comparecimento às consultas
- Realização dos exames
- Tomada das medicações (adaptar o esquema de medicação ao estilo de vida do paciente)
- Orientar, treinar e acompanhar quanto a auto‐aplicação da medicação subcutânea e/ou aplicação por familiares, quando desejado pelo paciente, com ênfase no rodízio nos locais de aplicação, quando indicado
- Adoção de hábitos saudáveis
- Esclarecimento de dúvidas e fantasias quanto ao tratamento
- Orientação quanto aos efeitos adversos do tratamento. O paciente deve ser alertado sobre os riscos de automedicação (interação medicamentosa/toxicidade)
O registro em prontuário sobre os aspectos relacionados à adesão deve ser realizado por todos os integrantes da equipe, favorecendo o conhecimento interdisciplinar sobre a história do caso, intervenções realizadas e necessidade de encaminhamentos.
Algumas ferramentas podem auxiliar o paciente/responsáveis pelo cuidado:
Aplicativo Lembrete de Remédios e Pílula - Medisafe (tome seus medicamentos na hora certa).
O Viva Bem é um aplicativo gratuito, desenvolvido pelo Ministério da Saúde para ajudar na rotina de quem faz uso contínuo de medicamentos.
Acompanhamento
O cuidado do paciente deve ocorrer de forma integral e multiprofissional, compartilhado entre Atenção Primária e Atenção Especializada.
O atendimento compartilhado e/ou individualizado da equipe multidisciplinar, médico, enfermeiro, psicólogo, nutricionista, assistente social, dentista e farmacêutico (quando disponíveis) tem como objetivo promover a participação do paciente no autocuidado.
Todo plano terapêutico singular deve ser elaborado pela equipe com a participação do paciente.
O encaminhamento entre os níveis de Atenção deve ser acompanhado de referenciamento/nota de alta clara e concisa, com o detalhamento do caso.
Pessoas com cirrose descompensada, ou Child-Pugh B e C ou carcinoma hepatocelular devem ser referenciadas para atenção especializada preferencialmente vinculada a programa de cirurgia hepatobiliar e transplante de fígado.
O paciente também deve receber insumos e orientações para praticar sexo seguro e riscos inerentes ao consumo de drogas.
As orientações quanto a prevenção da transmissão devem ser compartilhadas com os contatos domiciliares e parceiros sexuais, se possível. Consulte prevenção da transmissão.
Realizar monitoramento da abstinência de álcool, drogas e tabaco e o controle das comorbidades, do peso e dos distúrbios metabólicos. Pessoas com cirrose devem se abster do uso de álcool e tabagismo pelo maior risco de descompensação e carcinoma hepatocelular.
Avalie as medicações concomitantes, em busca de medicações possivelmente hepatotóxicas.
A presença de coinfecções agrava a atividade necroinflamatória e acelera a evolução da hepatite. Consulte coinfecções e interações medicamentosas para mais informações.
Pacientes gestantes apresentam cuidados diferenciados. Consulte Gestantes.
- Individualizar conforme o caso (início de tratamento, ajuste de medicação, comorbidades) e risco de eventos adversos
- Os pacientes em tratamento medicamentoso devem realizar consultas no mínimo 2-4 vezes/ano
- Se o resultado ideal não foi alcançado, os pacientes devem permanecer em acompanhamento ambulatorial regular para monitoramento da cirrose hepática e investigação de carcinoma hepatocelular
Pacientes há mais de três anos sem replicação viral significativa, sem tratamento medicamentoso e sem contraindicações para alta, podem retornar para a Atenção Primária, com aconselhamento desde que tenham acesso a rastreamento de carcinoma hepatocelular com ultrassonografia.