Linhas de Cuidado

Planejamento Terapêutico - Hepatite B - Crônica

Pacientes com ou hepatite aguda grave devem ser encaminhados para emergência.

O serviço de atendimento especializado deve realizar o atendimento aos casos de maior complexidade.

Notificar os casos confirmados em até 7 dias - Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN).

Avaliação Inicial

O cuidado do paciente deve ocorrer de forma multiprofissional, compartilhado com a Atenção Primária e deve contemplar a definição do projeto terapêutico singular.

Consulte a Abordagem inicial, manifestações clínicas, anamnese / exame clínico.

Avalie a indicação de Profilaxia Pós-exposição (PEP)

  • Anti-HAV IgG: Para definir imunização, se ainda não imunizado
  • Anti-HCV e anti-HIV: Para identificar coinfecção, se ainda não foi realizado. Repetir pelo menos anualmente
  • β-HCG: Para mulheres em idade reprodutiva. A cada 6 meses
  • Endoscopia digestiva alta (EDA): Com cirrose (escore Child-Pugh B ou C), anualmente; sem cirrose ou escore Child-Pugh A, a cada 2-3 anos
  • Ultrassonografia abdominal total: A cada 6 meses para rastreamento de hepatocarcinoma nos pacientes com história familiar ou cirrose
  • Biópsia hepática, elastografia hepática e anti-HDV: Individualizar conforme o caso
Exames complementares

Exames

Periodicidade

Hemograma

A cada 3-6 meses, conforme atividade da doença ou cirrose hepática

Razão normalizada internacional (INR)

AST/TGO (aspartato aminotransferase), ALT/TGP (alanina aminotransferase)

Fosfatase alcalina /gama glutamil transferase/ bilirrubina total e frações 

Glicemia de jejum

Proteína total/albumina

TSH/T4L

A cada 12 meses ou conforme tratamento instituído

Na (sódio)/K (potássio)/ureia/creatinina

A cada 6 meses (alto risco de lesão renal)

A cada 12 meses (baixo risco de lesão renal)

EQU/Urina tipo 1/EAS (elementos e sedimentos anormais)

Clearance de creatinina

HBV-DNA

A cada 6 meses no portador inativo e a cada 12 meses conforme diagnóstico e tratamento instituído

Lipídios (colesterol total e frações, triglicérides), ferritina/ferro sérico/saturação transferrina

A cada 12 meses para os pacientes em uso de tenofovir e nos casos de descompensação hepática e cirrose

Densitometria óssea 

A cada 48 meses (mulheres acima de 40 anos em transição menopausal; homens acima dos 50 anos com risco de perda óssea) 

Individualizar em pacientes em uso de tenofovir ou com antecedentes relevantes 

Fonte: Adaptado de Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite B e Coinfecções. Brasília: Ministério da Saúde, 2017.

Avaliação da eficácia dos tratamentos: A partir da mudança no perfil sorológico, aminotransferases e níveis de HBV-DNA dos pacientes:

  • Se HBeAg reagente, solicitar anualmente: HBsAg, anti-HBs, HBeAg, anti-HBe e HBV-DNA
  • Se HBeAg não reagente, solicitar anualmente: HBsAg, anti-HBs, HBV-DNA

Pacientes em tratamento com alfapeginterferona:

  • AST/ALT: Na 2ª semana de tratamento e a cada mês de tratamento
  • Glicemia de jejum, TSH e T4L: A cada 3 meses
  • HBV-DNA ao final da 24ª e 48ª semana de tratamento (avaliação da resposta) - se > 20.000 UI/mL substituir por tenofovir ou entecavir, pela baixa probabilidade de resposta terapêutico

Tratamento

O tratamento disponível não objetiva o resultado ideal, que seria a cura e é raramente alcançado. O objetivo da instituição do tratamento é evitar progressão da doença para cirrose e desenvolvimento de carcinoma hepatocelular, assim como a melhora da sobrevida em longo prazo.

A ingestão de álcool deve ser restrita.

A conduta terapêutica deve levar em consideração um período de observação de 6 meses com monitorização dos níveis de ALT e carga viral de acordo com comorbidades, presença de história de carcinoma hepatocelular, gestação, probabilidade de eventos adversos e de resposta terapêutica.

A decisão de iniciar o tratamento e a conduta terapêutica devem considerar:

  • Risco de progressão da doença
  • Elevação dos níveis de ALT
  • Perfil sorológico (HBeAg) (marcador de replicação viral)  
  • Níveis de HBV-DNA
  • Grau de fibrose detectada por elastografia hepática transitória (EHT) ou biópsia hepática
  • Probabilidade de resposta terapêutica
  • Eventos adversos
  • Comorbidades, história de carcinoma hepatocelular, gestação

Resultado ideal: Perda sustentada do HBsAg, com ou sem soroconversão para anti-HBs

  • Pacientes com HBsAg persistente (HBeAg reagente): A soroconversão para anti-HBe é um desfecho satisfatório. O tratamento visa manter a normalização da ALT e a redução do HBV-DNA para menos de 2.000 UI/mL ou no limite de indetectabilidade
  • Pacientes com HBsAg persistente (HBeAg não reagente e anti-HBe reagente): O tratamento visa manter a normalização da ALT e a redução do HBV-DNA para menos de 2.000 UI/mL ou no limite de indetectabilidade
  • Portadores de cirrose hepática: Buscar redução da carga viral e desaparecimento do HBeAg, manter o tratamento com análogo nucleos(t)ídeo indefinidamente
Tratamento medicamentoso
Regime terapêutico Tempo de tratamento Segurança Observações
Tenofovir - 300 mg/dia via oral

Até que seja alcançado o resultado ideal, para pacientes sem cirrose: Perda do HBsAg (não reagente) e HBV-DNA indetectável em 2 exames anuais consecutivos.

Para pacientes com cirrose, manter o tratamento com análogo nucleos(t)ídeo indefinidamente

Contraindicação relativa em pacientes com doença renal crônica, osteoporose e outras doenças do metabolismo ósseo Primeira linha de tratamento

Entecavir - 0,5 mg/dia via oral: Pacientes virgens de tratamento e/ou portadores de cirrose Child-Pugh A

 Entecavir - 1,0 mg/dia via oral: Pacientes portadores de cirrose Child-Pugh B ou C

Até que seja alcançado o resultado ideal, para pacientes sem cirrose: Perda do HBsAg (não reagente) e HBV-DNA indetectável em 2 exames anuais consecutivos.

Para pacientes com cirrose, manter o tratamento com análogo nucleos(t)ídeo indefinidamente

Contraindicado em gestantes

Atenção em pacientes com doença renal crônica: Corrigir a dose em caso de ClCr < 50 mL/min

De ser considerado primeira linha apenas para pacientes em tratamento de imunossupressão e quimioterapia e, se contraindicação absoluta ao uso do tenofovir, ou alteração da função renal em decorrência do seu uso

Alfapeginterferona - 180 mcg/semana subcutânea 48 semanas

Contraindicada se consumo atual de álcool ou drogas, cardiopatia grave, disfunção tireoidiana não controlada, distúrbios psiquiátricos não tratados, neoplasia recente, insuficiência hepática, exacerbação aguda de hepatite viral e transplante (exceto transplante hepático), gestação

Plaquetopenia < 30.000/mm³ - suspensão obrigatória*

Reservado a pacientes portadores de infecção pelo vírus da hepatite B com exame HBeAg reagente e sem contraindicação ao uso de alfapeginterferona. Tratamento alternativo, preferencialmente uma única vez

* Em pacientes que não apresentarem soroconversão do anti-HBs ao final da 48ª semana de tratamento, substituir por tenofovir ou entecavir.

Fonte: Adaptado de Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite B e Coinfecções. Brasília: Ministério da Saúde, 2017.

Recomenda-se o exame de gravidez para mulheres em idade fértil antes de iniciar o tratamento com alfapeginterferona ou entecavir. Elas devem receber orientações quanto à necessidade do uso de método contraceptivo eficaz até o término do tratamento.

Resistência à terapêutica medicamentosa

Resistência ao Entecavir: Fazer a associação de tenofovir ao esquema de tratamento vigente. Após um ano de resgate e indetectabilidade do HBV-DNA, substituir a terapia dupla por monoterapia com tenofovir.

Para mais informações acesse o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite B e Coinfecções.

Imunossupressão e quimioterapia

Antes de receber terapia imunossupressora ou quimioterapia: 

  • Realizar testes sorológicos com pesquisa de HBsAg e do Anti-HBc total
  • Receber tratamento com análogos de nucleos(t)ídeos. Para esses pacientes a primeira linha é o entecavir

As terapias antivirais profiláticas (antes da reativação) e preemptiva (após a reativação) deverão ser mantidas, no mínimo, por 6 meses após o término do tratamento imunossupressor. Se por tempo indefinido, manter o análogo.

Se o uso de imunossupressor for por tempo indefinido, manter o análogo.

Atenção: Caso o paciente já tenha utilizado lamivudina em tratamento prévio, podendo já apresentar resistência viral, é mais indicado o uso de tenofovir ao invés de entecavir – pelo risco de desenvolvimento de resistência cruzada

Coinfecções

Pacientes com HBV-DNA indetectável ou baixo (< 2.000 UI/mL) devem ser monitorados durante e após o tratamento. Se houver elevação dos níveis de HBV-DNA considerar a introdução da terapia antiviral.

A infecção pelo HIV está associada a uma pior resposta do tratamento da infecção pelo HBV com alfapeginterferona, aumento da toxicidade hepática e menor eficácia da terapia antirretroviral (TARV).

Pacientes portadores de coinfecção HIV/HBV devem ter sua TARV estruturada com tenofovir, preferencialmente associado à lamivudina.

O tenofovir e a lamivudina tem atividade contra o HIV e HBV e podem ser obtidos em coformulação para tomada única diária com perfil de toxicidade favorável.

Atenção: Em pacientes com HBsAg, antes do início dos DAA, dar preferência à TARV com medicação ativa contra o vírus da hepatite B (lamivudina e tenofovir), para evitar a reativação da hepatite B pelo tratamento da hepatite C.

Consulte Coinfecções.

Alimentação

Na hepatite aguda é importante instruir uma dieta pobre em gordura e rica em carboidratos, com especial atenção se o paciente é anorético ou apresenta perda de apetite, para que seja agradável ao consumo (aceitação alimentar). 

Recomenda-se restrição à ingestão de álcool. Suspensa por seis meses no mínimo e, preferencialmente, por um ano. 

Pacientes com hepatite crônica não devem consumir bebidas alcoólicas. Uso de café (3-4 xícaras por dia) pode ser estimulado porque reduz o risco de evolução para fibrose avançada e cirrose.

Pacientes com cirrose devem ter o consumo de sal restrito na presença de ascite e edema de membros inferiores.

A manutenção de uma nutrição adequada é importante para evitar a perda de massa muscular em pacientes com cirrose descompensada. 

Deficiências proteico-calóricas e de micronutrientes são comuns em pacientes com cirrose, particularmente naqueles com doença avançada.

Dietas ricas em proteínas são relatadas como bem toleradas, e a restrição de proteínas não parece beneficiar os pacientes com encefalopatia hepática aguda. Podem ainda prevenir a encefalopatia hepática e melhorar a qualidade de vida em pacientes com cirrose.

A dieta oral regular com maior ingestão diária de energia (35-40 kcal/kg) e proteína (1,2-1,5 g/kg) pode estar associada a menor risco de complicações de cirrose.

Assim, recomenda-se a suplementação nutricional proteica, com lanche noturno rico em fontes de proteínas, objetivando o aumento sustentado na proteína corporal total para compensar o estado hipermetabólico que pode levar à depleção muscular após jejum noturno.

Adesão ao tratamento

Recomenda-se que os serviços estimulem a adesão do paciente ao tratamento, com o envolvimento de todos os profissionais.

A adesão ao tratamento é um processo colaborativo que facilita a aceitação e a integração da terapêutica em seu cotidiano. É fundamental para o sucesso das estratégias de atenção à saúde.

A avaliação contínua e o tratamento de condições que podem afetar a adesão, como depressão, álcool e uso de drogas, melhoram a saúde do paciente como um todo.

Fatores que podem facilitar a adesão

  • O acesso à informação sobre sua própria condição de saúde e possíveis efeitos adversos
  • Vínculo com os profissionais da equipe multidisciplinar do serviço de saúde
  • Integração de informações pela equipe multidisciplinar 
  • Suporte social disponibilizado por familiares, amigos, pessoas de grupo religioso ou integrantes de instituições, pessoas de organizações da sociedade civil
  • Faixa etária do paciente
  • Escolaridade

Realize uma escuta qualificada, com acolhimento, atenção e respeito, para fortalecer o vínculo com a equipe e serviço de saúde. 

A adesão deve ser estimulada a cada consulta em busca de solução para possíveis falhas no(a): 

  • Comparecimento às consultas
  • Realização dos exames
  • Tomada das medicações (adaptar o esquema de medicação ao estilo de vida do paciente)
  • Orientar, treinar e acompanhar quanto a auto‐aplicação da medicação subcutânea e/ou aplicação por familiares, quando desejado pelo paciente, com ênfase no rodízio nos locais de aplicação, quando indicado
  • Adoção de hábitos saudáveis
  • Esclarecimento de dúvidas e fantasias quanto ao tratamento
  • Orientação quanto aos efeitos adversos do tratamento. O paciente deve ser alertado sobre os riscos de automedicação (interação medicamentosa/toxicidade)

O registro em prontuário sobre os aspectos relacionados à adesão deve ser realizado por todos os integrantes da equipe, favorecendo o conhecimento interdisciplinar sobre a história do caso, intervenções realizadas e necessidade de encaminhamentos.

Algumas ferramentas podem auxiliar o paciente/responsáveis pelo cuidado:

Aplicativo Lembrete de Remédios e Pílula - Medisafe (tome seus medicamentos na hora certa).

O Viva Bem é um aplicativo gratuito, desenvolvido pelo Ministério da Saúde para ajudar na rotina de quem faz uso contínuo de medicamentos.

Coinfecções

Os vírus das hepatites B, C e o HIV apresentam formas de transmissão em comum. A presença concomitante desses agentes infecciosos agrava a atividade necroinflamatória e acelera a evolução da hepatite.

Podem ser submetidos ao tratamento simultâneo ou do vírus predominante.

A reativação viral da hepatite B pode ocorrer em pacientes tratados com antivirais de ação direta durante ou após o término do tratamento. Os pacientes com HBsAg reagente devem realizar o teste de HBV-DNA (CV-HBV).

Pacientes infectados pelo HIV que desenvolvem hepatite aguda pelo HBV têm 5-6 vezes mais chance de se tornarem portadores crônicos do HBV, quando comparados a indivíduos soronegativos para o HIV. 

O HIV aumenta a replicação do HBV, levando à forma mais grave de doença hepática. Apresenta menores taxas de soroconversão espontânea do HBeAg/anti-HBe e HBsAg/anti-HBs – e altas taxas de replicação viral.

Podem evoluir com “HBV oculto” (baixa carga viral de HBV-DNA e HBsAg não reagente), o exame para quantificação do HBV-DNA em regime semestral para elucidação diagnóstica pode ser realizado.

Consulte Interações medicamentosas.

Hepatite Delta (infecção pelo HDV) é comum na Região Amazônica, e a infecção pelo HBV é condicional para o seu desenvolvimento (interação com o antígeno de superfície do vírus da hepatite B (HBsAg).

Para maiores informações, acesse o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos e Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite B e Coinfecções.

Acompanhamento

O cuidado do paciente deve ocorrer de forma integral e multiprofissional, compartilhado entre Atenção Primária e Atenção Especializada.

O atendimento compartilhado e/ou individualizado da equipe multidisciplinar, médico, enfermeiro, psicólogo, nutricionista, assistente social, dentista e farmacêutico (quando disponíveis) tem como objetivo promover a participação do paciente no autocuidado.

Todo plano terapêutico singular deve ser elaborado pela equipe com a participação do paciente.

O encaminhamento entre os níveis de Atenção deve ser acompanhado de referenciamento/nota de alta clara e concisa, com o detalhamento do caso.

Pessoas com cirrose descompensada, ou Child-Pugh B e C ou carcinoma hepatocelular devem ser referenciadas para atenção especializada preferencialmente vinculada a programa de cirurgia hepatobiliar e transplante de fígado.

O paciente também deve receber insumos e orientações para praticar sexo seguro e riscos inerentes ao consumo de drogas.

As orientações quanto a prevenção da transmissão devem ser compartilhadas com os contatos domiciliares e parceiros sexuais, se possível. Consulte prevenção da transmissão.

Realizar monitoramento da abstinência de álcool, drogas e tabaco e o controle das comorbidades, do peso e dos distúrbios metabólicos. Pessoas com cirrose devem se abster do uso de álcool e tabagismo pelo maior risco de descompensação e carcinoma hepatocelular.

Avalie as medicações concomitantes, em busca de medicações possivelmente hepatotóxicas.

A presença de coinfecções agrava a atividade necroinflamatória e acelera a evolução da hepatite. Consulte coinfecções e interações medicamentosas para mais informações.

Pacientes gestantes apresentam cuidados diferenciados. Consulte Gestantes.

  • Individualizar conforme o caso (início de tratamento, ajuste de medicação, comorbidades) e risco de eventos adversos
  • Os pacientes em tratamento medicamentoso devem realizar consultas no mínimo 2-4 vezes/ano
  • Se o resultado ideal não foi alcançado, os pacientes devem permanecer em acompanhamento ambulatorial regular para monitoramento da cirrose hepática e investigação de carcinoma hepatocelular

Pacientes há mais de três anos sem replicação viral significativa, sem tratamento medicamentoso e sem contraindicações para alta, podem retornar para a Atenção Primária, com aconselhamento desde que tenham acesso a rastreamento de carcinoma hepatocelular com ultrassonografia.