Avaliação e conduta
Na avaliação, o questionário PHQ-9 (composto por nove questões) deve ser aplicado. Pontuação ≥ 9 indicam rastreio positivo para episódio depressivo.
Diagnóstico do episódio depressivo
O diagnóstico de episódio depressivo deve ser entendido como uma categoria definida a partir de critérios específicos dentro de um fenômeno dimensional.
Atenção: O diagnóstico da depressão é clínico, feito pelo médico após avaliação do paciente. Não existem exames laboratoriais ou de imagem específicos para diagnosticar depressão.
Sinais e sintomas
Frequentemente, o paciente com depressão tem humor deprimido, com perda de interesse, perda do prazer e/ou cansaço na maior parte do dia, e que persiste na maioria dos dias.
Para caracterizar um episódio depressivo, este quadro deve durar pelo menos duas semanas, mas períodos mais curtos podem ser considerados se os sintomas forem excepcionalmente graves e de início rápido. O número, o tipo e a gravidade dos sintomas, assim como o grau de comprometimento funcional, permitem determinar três graus de um episódio depressivo: leve, moderado e grave.
Outras manifestações podem estar presentes
- Múltiplos sintomas físicos persistentes sem causa evidente
- Indiferença afetiva, irritabilidade, concentração reduzida
- Baixa energia, fadiga crônica
- Diminuição da autoestima e autoconfiança, ideias de culpa e inutilidade
- Pessimismo e ruminação de erros e dificuldades passadas
- Ansiedade
- Alterações cognitivas, na memória, na agilidade de raciocínio e na capacidade de tomar decisões
- Insônia, diminuição do apetite (hipersonia e excesso de apetite são menos comuns), perda da libido
- Ideias relacionadas à morte
Quadros depressivos com sintomas psicóticos associados correspondem à descrição de um episódio depressivo grave acompanhado de alucinações, delírios, lentidão psicomotora ou estupor. Os sintomas são tão graves que as atividades sociais tornam-se impossíveis. Pode haver risco de morte por suicídio, desidratação e/ou desnutrição.
Atenção: O diagnóstico e início do tratamento em tempo oportuno, com redução do período sintomático melhoram o prognóstico.
Após aplicação do PHQ-9, a confirmação diagnóstica pode ser realizada pelos Critérios diagnósticos de episódio depressivo pela CID-10.
- Avaliar o risco de suicidio: Perguntar diretamente sobre ideação ou plano suicida. Se possível, coletar dados com familiares/terceiros. Avaliar o risco de o paciente vir a fazer uma tentativa e a intencionalidade suicida. Consulte o Diagrama de risco de suicidio
- Pacientes hospitalizados por outras causas em que a DEPRESSÃO é identificada, inicie o planejamento terapêutico de imediato
Atenção: Avalie o encaminhamento à Atenção primária/ AE (CAPS ou ambulatório) se identificado depressão em consultas ambulatoriais/emergência. Consulte Critérios de Encaminhamento para Atenção especializada.
Tratamento farmacológico
Os antidepressivos são eficazes no tratamento da depressão moderada a grave: melhora dos sintomas (resposta) ou remissão (eliminando-os).
Aspectos gerais
A decisão da prescrição dos antidepressivos deve ser compartilhada com o paciente/família/cuidadores. Esclareça que:
- Não causam dependência
- Que devem ser tomados todos os dias de acordo com a prescrição e o tratamento só deve ser interrompido sob orientação médica
- Efeitos colaterais podem surgir nos primeiros dias, mas costumam desaparecer
- Atentar para mudanças bruscas de humor, principalmente no início do tratamento
- Em geral, a melhora do humor, do interesse ou da energia demora algumas semanas
- Iniciar com doses baixas e aumentá-las de forma gradual até chegar à dose mínima efetiva em 7 a 14 dias
- Em geral, deve-se manter o uso dos antidepressivos ao menos por 6 a 9 meses após a resolução dos sintomas (remissão). Se o paciente apresentar fatores de risco para recaída, manter o tratamento por pelo menos 2 anos
- Na presença de dor e/ou doenças que contribuem para os sintomas depressivos e para a ideação suicida, é fundamental o adequado manejo das comorbidades
Aspectos a serem considerados na escolha do antidepressivo
Disponibilidade e facilidade de acesso ao fármaco |
Custos para o paciente e/ou sistema de saúde |
Resposta prévia: Se o paciente foi tratado com sucesso com um fármaco bem tolerado no passado, pode-se eleger a mesma medicação para um novo episódio. Se o paciente não respondeu bem a um medicamento específico em doses otimizadas ou teve efeitos adversos intoleráveis, como regra tal fármaco deve ser evitado |
Comorbidades específicas: Por exemplo, a amitriptilina deve ser evitada em idosos com problemas cardíacos quando não for possível fazer eletrocardiograma periodicamente |
Perfil de efeitos colaterais e sua repercussão na vida do paciente: Por exemplo, pacientes com insônia podem se beneficiar do uso de um fármaco mais sedativo |
Toxicidade: Os tricíclicos são tóxicos em sobredose, ao contrário da fluoxetina e de outros ISRS, que são menos perigosos e podem ser prescritos a pacientes com alto risco de autoagressão |
Fonte: Adaptado de Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências. Porto Alegre: Artmed, 2022.
Pessoas com transtorno bipolar: Em episódios depressivos no transtorno bipolar, NÃO devem ser prescritos apenas antidepressivos, sem um estabilizador do humor como carbonato de lítio, ou valproato (os antidepressivos podem desencadear sintomas de mania em pessoas com transtorno afetivo bipolar). Consulte a definição de um episódio maníaco.
Adultos com ideias ou planos de suicídio
Os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) (ex. Fluoxetina) são a primeira opção. O uso de antidepressivo tricíclico (ADT) como a amitriptilina, nortriptilina e clomipramina deve ser feito com cautela (ex. considerar a dispensação de quantidades menores de comprimidos e supervisão de familiares/cuidadores) pelo risco de overdose.
Atenção: Se houver RISCO IMINENTE DE SUICÍDIO, avalie e trate antes de continuar.
- Considere encaminhamento para urgência/emergência psiquiátrica especializada
Fármacos disponíveis na Relação nacional de Medicamentos (RENAME) recomendados para tratamento da depressão
FLUOXETINA (1ª linha)* (ISRS) |
AMITRIPTILINA (ADT) | NORTRIPTILINA (ADT) | CLOMIPRAMINA (ADT) | BUPROPIONA (ANDE)** | ||
Doses (mg) |
Iniciais |
20 |
25 |
10 |
12,5-50 |
75 |
Mínimas efetivas |
20 |
75 |
75 |
100 |
150 |
|
Usuais |
20 a 80 |
75 a 300 |
25-100 |
100-250 |
150-300 |
|
Efeitos colaterais |
Anticolinérgicos |
- | +++ | + | +++ | - |
Sedação | - | ++ | + | +++ | - | |
Insônia / agitação | ++ | - | - | +++ | ++ | |
Hipotensão postural | - | +++ | ++ | ++ | - | |
Náusea | ++ | + | + | +++ | - | |
Disfunção sexual | ++ | +++ | + | +++ | - | |
Ganho de peso | + | +++ | + | + | - | |
Letalidade (sobredose) |
BAIXA |
ALTA |
MODERADA |
|||
Específicos | - |
Prolongamento do QT |
Diminui o limiar convulsivo |
|||
Contraindicações |
Uso com cautela |
Condições associadas a sangramento gastrointestinal alto Evitar a combinação com varfarina em pacientes com história de sangramento digestivo Cuidado ao combinar com tamoxifeno e codeína (reduz o efeito desses medicamentos) |
Alterações na condução cardíaca, doença arterial coronariana, prostatismo, retenção urinária, íleo paralítico, glaucoma de ângulo estreito, hipertireoidismo, doença hepática e renal; diabetes Idosos |
|||
Absolutas |
Uso concomitante de tamoxifeno |
IAM recente (3 a 4 semanas) |
Bulimia e anorexia, risco de convulsão |
|||
Estratégias terapêuticas efetivas: 1ª) Monoterapia em dose efetiva média (no mínimo) por 8 semanas 2ª) Se resposta parcial: Associação do primeiro fármaco com outro fármaco (preferentemente de outra classe); ex: fluoxetina 80 mg + amitriptilina 100 mg; ou Se não houver resposta com o primeiro fármaco: Trocar por outro fármaco até a dose máxima por 8 semanas 3ª) Potencialização: O carbonato de lítio pode ser usado como potencializador quando há resposta parcial com antidepressivos (300 a 600 mg, doses menores do que as usuais, embora alguns pacientes possam necessitar de doses maiores para obter o efeito terapêutico). Antes de iniciar o tratamento, é indicada a avaliação da tireoide e conhecimento da função renal basal; deve-se também considerar a possibilidade de gestação em mulheres em idade fértil |
ADT: antidepressivo tricíclico; ANDE: antidepressivo noradrenérgico e dopaminérgico específico; ISRS: inibidores seletivos da recaptação da serotonina; IAM: Infarto Agudo do Miocárdio; TSH: hormônio estimulador da tireoide; EQU: exame qualitativo de urina; EAS: elementos anormais do sedimento; HCG: gonadotrofina coriônica humana.
* Inibidores seletivos da recaptação da serotonina são a primeira linha de tratamento devido à eficácia e boa tolerabilidade.
** Não está listada na RENAME para esta finalidade. Considerar a disponibilidade de acordo com as pactuações locais.
Fonte: Adaptado de Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências. Porto Alegre: Artmed, 2022; MI-mhGAP Manual de Intervenções para transtornos mentais, neurológicos e por uso de álcool e outras drogas na rede de atenção básica à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2018.
Atenção: Consulte as Metas terapêuticas e o Plano de alta após internação hospitalar.